Quando assumi a empresa não tínhamos engenheiro de armas no Brasil e não conseguíamos importar engenheiros. O centro integrado formou nossos engenheiros, de modo que temos 70 aqui e 30 nos EUA. E formamos mais 105 engenheiros de armas internamente.
Acredito que do ponto de vista financeiro nada chame mais atenção do que a desalavancagem da Taurus, que chegou a ter uma dívida mais de 15 vezes maior que o Ebitda. O que foi feito para reduzir o endividamento de tal forma que a companhia sequer precisou vender sua operação de fabricação de capacetes para motociclistas?
Até 2018 tínhamos Ebitda negativo. Essa mudança é fruto de um planejamento estratégico muito forte. O aumento de produção e de capacidade diluiu os custos fixos e um aumento de produtividade potencializou a lucratividade. Em 2020, entregamos 42,6% de margem bruta depois de muito tempo em 13%.
Nós não enxergamos propostas razoáveis na fábrica de capacetes, então como conseguimos pagar as dívidas e atingimos essa margem bruta e um Ebitda forte, decidimos não vender. Hoje temos uma relação dívida/Ebita de 1,7 vezes resultado de um aumento de produção e de produtividade.
É importante ressaltar que uma empresa, quando sai da crise, acaba relaxando nos custos. É normal, mas não para nós. Ficamos com o trauma das décadas passadas e implementamos um controle de custos muito rígido.
Como foi implementado esse controle de custos? Houve demissões?
Quando eu assumi eu criei essa política de ter quem entende do produto nas áreas estratégicas. Nos EUA trocamos até o presidente e eu contratei um presidente que veio do mercado. Não adianta ser uma excelente fábrica sem uma engenharia que consegue interpretar o que o consumidor quer.
Nós entregamos o que é tendência ou aspiração. A nossa estratégia é lançar em nichos em que não estamos concorrendo. Eu tenho um plano, por exemplo, de entrar no segmento das pistolas micro-compactas, que não concorrem com as nossas sub-compactas. É um novo segmento, que responde por 40% do mercado civil americano.
É importante ter a visão empresarial de que a Taurus não é uma fábrica de pistolas, é a quarta marca mais vendida em pistolas nos EUA, que fabrica armas táticas, esportivas e é a maior produtora de revólveres do mundo.
Uma coisa que atrai o consumidor americano para a Taurus é o preço. Como fazem para vender armas mais baratas que as da Smith & Wesson, por exemplo?
O tíquete médio nos EUA é de US$ 220 e o nosso é US$ 210. O que explica isso é volume. A nossa estratégia é ter sempre esse perfil. Eu posso trazer produtos com maior valor agregado, mas não deixaremos de ser melhor opção de compra para quem quer pagar menos.
Nos próximos cinco anos, 24 milhões de americanos vão comprar sua primeira arma, segundo pesquisas feitas no final do ano passado.
Quando você vai comprar algo para uma atividade que vai fazer pela primeira vez seu primeiro equipamento será o mais barato. Alguém que começa a fazer aulas de Tênis não compra a raquete mais cara do mercado. É o mesmo quando se fala de armas de fogo. A Taurus, nesse aspecto é muito favorecida.
E a exportação é grande o negócio da Taurus, mais ou menos 85% do que vendemos é para os EUA. Então conhecemos bem o nosso cliente.
A vitória do democrata Joe Biden nas eleições de 2020, alguém com um perfil mais favorável a aumentar a restrição às vendas de armas de fogo, não preocupa por conta dessa alta exposição aos EUA?
Nosso planejamento estratégico é sólido a longo prazo porque nosso segmento é muito regulado. Temos uma equipe de tendência de mercado só para analisar questões regulatórias.
E pode se surpreender, mas em todo ano de eleição nos EUA, dependendo do nível de chance dos democratas assumirem o poder há uma corrida para comprar armas de fogo. Isso porque a população americana quer se antecipar a uma mudança regulatória. Isso explica porque vendemos tanto no ano passado.
Entretanto, já adianto que plano do Biden não tem nada que possa atingir o portfolio da Taurus. O que ele se propõe a endurecer é o controle sobre armas mais pesadas, que a Taurus não vende.
Pensando nisso, queremos já fazer projetos que sejam alternativos. Veja bem, não chamo de substitutos, mas de alternativos para aquelas armas que possivelmente terão maior controle. Colocamos a previsão disso no nosso planejamento de projeto mesmo sem sabermos se realmente será aprovado o plano de Biden.
O consumidor muda de desejo ciclicamente. O projeto da nossa GX-4 já tem três anos, não é algo que sai da noite para o dia, precisamos estar preparados.
A Taurus pretende aumentar sua exposição a outros mercados como Ásia e Oriente Médio?
Sem dúvida, somos uma empresa global. Temos duas joint ventures muito estratégicas. Apesar da grande expectativa que os analistas colocaram na nossa parceria na Índia, eu dou mais importância para a joint venture que fizemos com a Joalmi [indústria metalúrgica de Guarulhos] para a fábrica de carregadores.
O carregador faz parte do sistema de disparo da arma e dependemos de importações nesse quesito. Em abril, faremos 7 mil carregadores por dia. Estamos acelerando isso porque o mercado de reposição de carregadores cresceu muito. Essa joint venture foi muito estratégica, conseguimos suportar o aumento de produção.
A joint venture da Índia, por sua vez, foi bastante prejudicada pela pandemia de Covid-19. Porém, muito mais do que montar uma fábrica, ela é boa por conta da transferência de tecnologia. O mercado civil indiano está se abrindo ainda, mas lá as licitações são boas porque o mercado policial da Índia é superlativo.
É estratégico estar na Índia e quem estiver transferindo tecnologia para o país tem preferência nas licitações. Nossa ideia é sermos a primeira empresa estrangeira a produzir armas no território indiano.
Por que na Índia o foco de vocês é o mercado militar e não o civil?
O mercado civil indiano começou a se abrir, mas ainda é bastante restritivo. Queremos vender para o mercado civil as armas mais simples, que são feitas num período muito mais curto. Para o militar fica reservado o armamento mais complexo.
Quais são as perspectivas da empresa hoje?
Nossa visão para o futuro é de uma carteira de pedidos de 2,3 milhões de armas, um avanço na nossa joint venture de carregadores, que já traz frutos, e o contínuo foco no nosso centro integrado de tecnologia. Temos também um memorando de intenções com a Imbel, de tecnologia bélica, inclusive no tratamento térmico dos canos de fuzis.
Apesar da maior parte do mercado da Taurus ser estrangeiro, também há operações aqui. Como ficam os negócios nacionais diante do imbróglio dos decretos lançados às pressas que abrem o mercado de armas aqui, mas que depois são derrubados pelo Legislativo ou pelo Judiciário?
No Brasil, a questão tributária é a mais complicada, pois dá preferência para a indústria estrangeira. Contratamos um organismo de certificação de produto para homologação em laboratórios nossos, o que vai agilizar os processos de desenvolvimento.
Dito isso, é importante ressaltar que o mercado brasileiro, apesar de pequeno, é importante para a companhia. Nos EUA, as lojas de armas abrem nos lançamentos dos nossos produtos e duas horas depois fecham porque não tem mais arma da Taurus para vender.
Em geral, no Brasil não temos falta de armas nas lojas em momento algum.
Mesmo com as mudanças legislativas, acredito que nunca mais voltaremos a ser quem éramos antes em termos de armas para legítima defesa. Os governos anteriores dificultaram a aquisição de armas sob termos discricionários, em contradição com a Lei 10.826 [o estatuto do Desarmamento]. Hoje, o que está na lei vai é cumprido.
Então o senhor acredita que mesmo se a administração Bolsonaro sair do poder em 2022 não haverá mudança nisso?
Sim, a expectativa é de que nunca voltaremos onde estávamos antes na venda de armas nacionalmente. Só mudaria se mudássemos a lei.
Decretos de armas e suspensão de trechos
Em 13 de abril, entraram em vigor os quatro decretos editados por Bolsonaro que flexibilizaram as regras de compra de armas. Contudo, Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu alguns trechos, com os decretos entrando em vigor parcialmente.
Com a decisão da relatora, foram suspensos os trechos que afastam o controle exercido pelo Comando do Exército sobre munição até calibre máximo de 12,7 mm; autorização para prática de tiro recreativo em entidades e clubes de tiro, independentemente de prévio registro dos praticantes. Houve também suspensão da possibilidade de aquisição de até seis armas por civil e oito armas por agente estatal com simples declaração de necessidade, revestida de presunção de veracidade; a compra de munições por entidades e escolas de tiro em quantidade ilimitada; e a prática de tiro desportivo por adolescentes a partir dos 14 anos.
A ministra também impediu que entre em vigor trechos que desburocratizariam exigências de laudo de capacidade técnica para o manuseio de armas de fogo, aptidão psicológica para aquisição de arma de fogo, e prévia autorização do Comando do Exército.
Em comunicado, a Taurus afirmou que a decisão de Rosa não gerava preocupação para a empresa.
O CEO da companhia afirmou que as partes que foram suspensas pela ministra não mudam as operações. “Estamos em um momento muito favorável, com demanda em alta, batendo recordes de produção e vendas no Brasil e no mundo”, explicou.
Já os dispositivos que foram mantidos e que passaram a vigorar são positivos para a companhia, afirmou em nota, como a redução da burocracia para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) na concessão e emissão do Certificado de Registro de Arma de Fogo e da Guia de Tráfego, autorização de compra de arma de fogo, apostilamento e o registro de arma de fogo, por meio de processos eletrônicos, atendimento todos os dias e agrupamento de atos administrativos no mesmo processo.
Para auditores, magistrados e promotores, o cumprimento dos requisitos legais e regulamentares necessários ao porte e aquisição de armas de fogo poderá ser atestado por declaração de capacidade técnica e psicológica da própria instituição.
Outo ponto positivo para a empresa, segundo apontou em comunicado, é a redução da burocracia envolvendo outros produtos, como carregadores, que não são mais classificados como Produtos Controlado pelo Exército (PCE).
Neste sentido, a companhia apontou que está investindo em uma fábrica nova para produção de carregadores, por meio de uma joint venture firmada com a Joalmi em 2020.
“A joint venture vai tornar a Taurus autossuficiente na produção de carregadores, mercado que era dominado por poucos fornecedores estrangeiros. A demanda anual da Taurus é de aproximadamente 5 milhões de carregadores, considerando as fábricas do Brasil e dos Estados Unidos, sem contar outras empresas e o enorme e promissor mercado de reposição. A nova fábrica terá uma capacidade instalada de 7,4 milhões por ano até o final de 2022 e sua ampliação poderá ser antecipada, dependendo da atuação da empresa no mercado de reposição”, afirmou a empresa.
A decisão da ministra Rosa Weber ainda será julgada definitivamente pelo plenário do STF.