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Taurus na Arábia Saudita: por quê?

02/01/2022

 

*LRCA Defense Consulting - 02/01/2022

No penúltimo dia de 2021, após o fechamento do mercado de ações, a Taurus Armas S.A. divulgou um comunicado informando que seu Conselho de Administração aprovou o estabelecimento de "uma empresa subsidiária no Reino da Arábia Saudita com o objetivo de obter maior presença e prospectar oportunidades de negócios nesse relevante mercado, especialmente considerando os planos do governo do país de estabelecer uma base industrial de defesa local, no âmbito da estratégia denominada Visão 2030".

 

Como a Taurus está em plena expansão para o Sul e Sudeste Asiático, com o estabelecimento de uma fábrica na Índia (que começará a produzir neste primeiro trimestre de 2021), e mesmo que sempre tenha afirmado que o Oriente Médio é um dos mercados prioritários em seus planos, a notícia causou surpresa entre aqueles que não acompanham de perto a situação saudita e os passos da diplomacia e da Indústria Brasileira de Defesa em direção a esse país.

 

Antecedentes
Em outubro de 2019, o presidente da ABIMDE - Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança e mais 13 empresas associadas (entre as quais, a Taurus) estiveram em missão com a comitiva presidencial brasileira nos Emirados Árabes Unidos, no Catar e na Arábia Saudita. A viagem fez parte de uma programação realizada pela Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), em parceria com o Ministério das Relações Exteriores (MRE) para potencializar o comércio bilateral. O grupo focou em diversos temas, principalmente os ligados ao setor militar, em produtos e soluções desenvolvidas no Brasil que possam atender aos Emirados e à Arábia Saudita.

Após a viagem do Presidente Jair Bolsonaro à Arábia Saudita, o fundo soberano do país decidiu investir US$ 10 bilhões no Brasil. Os setores beneficiados pelos investimentos ficaram de ser definidos em "comum acordo" pelos dois países e não houve solicitação de contrapartida. Os investimentos, seriam feitos em até três anos, ou seja, até o final de 2022.  

Em 10/12/2019, a ABIMDE e a CCAB - Câmara de Comércio Árabe Brasileira assinaram um MOU (Memorandum of Undertanding) com o objetivo de potencializar as oportunidades de negócios geradas com a missão governamental e industrial à Arábia Saudita, ao Catar e aos Emirados Árabes, liderada pelo Presidente brasileiro, em outubro.

Em dezembro de 2021, delegações de quatro países árabes estiveram na 6ª Mostra BID Brasil, que ocorreu em Brasília com a exposição de produtos e serviços brasileiros de segurança e defesa. Representantes dos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Catar e Egito visitaram a exposição, formando maioria entre as seis missões estrangeiras presentes no evento. As delegações árabes que estiveram na Mostra eram todas oficiais, ou seja, representantes dos governos e de seus ministérios.

A participação árabe foi reflexo do forte relacionamento que o setor de defesa brasileiro está criando com a região. Em 2021, liderada pela ABIMDE, a indústria brasileira de defesa e segurança participou de três feiras em países árabes: a Idex e a Dubai AirShow, nos Emirados, e a Milipol, no Catar. “Nós fomos até a região árabe e eles vieram até nós”, disse um executivo como exemplo dessa relação. Na Mostra, os árabes puderam conhecer melhor as indústrias nacionais de defesa pois, como na maioria dos setores, mas especialmente neste, os negócios costumam ter um bom tempo de relacionamento e de maturação antes de se concretizarem.

No caso da Arábia Saudita, a missão governamental e empresarial brasileira que esteve nesse país em 2019, assim como a visita dos sauditas à 6ª Mostra BID Brasil no final de 2021, tiveram como grande pano de fundo um programa batizado como Visão 2030.

Visão 2030 - o grande plano saudita de 15 anos
O Plano Visão 2030, anunciado pelo governo saudita em 2015, mudou economicamente a Arábia Saudita nos últimos seis anos e é esperado que continue mudando. 

Até 2015, o petróleo respondia por cerca de 75% das receitas orçamentárias, 40% do PIB e 90% das receitas das exportações. O "vício do ouro negro" acostumou os sauditas a comprar tudo o que precisavam, pois sempre houve dinheiro farto e era muito mais barato importar do que produzir localmente.

No entanto, o atual governo vislumbrou que o país não poderia manter a dependência da renda petroleira e o enorme gasto público diante de um cenário de grandes mudanças que estão acontecendo no mercado energético internacional (variações enormes nos preços do petróleo, surgimento de fontes alternativas não poluentes e política mundial contra o uso de combustíveis fósseis) e de tendências demográficas que indicam aumento significativo no número de sauditas em idade produtiva até 2030.

A ascensão do príncipe Mohamed Bin Salman (conhecido como MbS) no cenário político saudita e o declínio dos preços do petróleo em 2014 incentivaram o desenvolvimento do plano como meio de abandonar ou, pelo menos, diminuir grandemente essa dependência e diversificar a atividade econômica, abrindo amplamente as portas para o envolvimento de um setor privado ativo e facilitando a entrada dos investimentos estrangeiros no país. Assim, um dos pilares do Visão 2030 é justamente transformar a Arábia Saudita em um centro de investimentos globais.

Segundo análises, a elevação de produtividade por meio da reforma econômica permitirá ao país duplicar seu PIB e criar até 6 milhões de novos empregos até 2030. Com as reformas, Riad pretende elevar sua renda não petroleira, de US$ 43,6 bilhões em 2015 para US$ 267 bilhões em 2030. 

 

Militares brasileiros integrantes do Projeto Estratégico ASTROS 2020 em um intercâmbio sobre artilharia de mísseis e foguetes com o Exército da Arábia Saudita em 2014.

 

 

Área de Defesa no Plano Visão 2030
A Arábia Saudita é um dos principais compradores de armas do mundo. Foi o maior importador de armamento entre 2010 e 2014, com 5% das aquisições mundiais. O país possui as forças armadas mais poderosas do Golfo Pérsico, com cerca de 478 mil combatentes na ativa (de um total de 688 mil integrantes), compreendendo o exército, a força aérea e a marinha de guerra, além de unidades de defesa antiaérea, brigadas da Guarda Nacional e paramilitares.  

O país gasta 25% do seu orçamento, ou pelo menos US$ 88 bilhões, com suas forças armadas. Em 2019, operou o terceiro maior orçamento militar do mundo, caindo para o nono lugar em 2020, efeito colateral da queda brutal nos preços do petróleo durante a pandemia.

O príncipe Salman, que também é ministro da Defesa, anunciou que o país buscará desenvolver sua própria indústria bélica como parte do plano de reformas.O primeiro passo nesse sentido foi associar a assinatura de contratos no exterior ao desenvolvimento da indústria local.

"A partir de agora, o Ministério de Defesa, assim como outros órgãos militares e de segurança, só fecharão contratos com provedores estrangeiros se estes estiverem vinculados à indústria local", disse Salman. "Vamos reestruturar vários de nossos contratos militares para atá-los à indústria saudita."

Em fevereiro de 2021, o governador da GAMI - Autoridade Geral para Indústrias Militares saudita, Ahmed bin Abdulaziz Al-Ohali, afirmou que o país irá investir mais de US$ 20 bilhões em sua indústria de defesa local pelos próximos 10 anos. O objetivo é desenvolver e fabricar mais armas e sistemas militares domesticamente, com o objetivo de gastar 50% do orçamento militar localmente até 2030.

Assim, nessa sensível área, onde quase tudo era importado, principalmente dos Estados Unidos, o foco dos sauditas passou a ser o desenvolvimento da indústria de defesa, com a produção de armamentos, equipamentos e aeronaves militares, para atingir a autossuficiência na área e aumentar as exportações para os seus parceiros regionais, haja vista que a presença de indústrias estrangeiras permite a obtenção de know-how e a transferência de tecnologia para a economia local. 

Nesse campo, o Plano Visão 2030 muito se assemelha às iniciativas Make in India (Fazer na Índia) e Atma Nirbhar Bharat (Índia Autossuficiente), ambas do governo da Índia.

 

 

 

Taurus na Arábia Saudita
Atualmente, as exportações respondem por cerca de 80% do faturamento da Taurus Armas. A empresa exporta para mais de 100 países, é a líder mundial na fabricação de revólveres e uma das maiores produtoras de pistolas do mundo, além de ser a primeira marca mais importada e quarta mais vendida no exigente mercado norte americano, o maior do mundo para armamento leve.

Em virtude do sucesso que suas armas táticas (pistolas, carabinas, submetralhadoras e fuzis destinados aos mercados militar e de segurança) estão alcançando no Brasil e no mundo, a Taurus está preparando o lançamento da plataforma de pistolas GX4 (com grafeno), de uma nova gama de fuzis em vários calibres e tamanhos de cano, de uma submetralhadora compacta e de um rifle de ferrolho para ocupar importantes nichos mercadológicos mundiais, podendo oferecer assim um portfólio completo e capaz de atender as mais diversas necessidades das forças armadas e de segurança do planeta, além dos civis aficionados por esses tipos de armamento.

O CEO Global da Taurus, Salesio Nuhs, tem sido categórico ao afirmar, nas diversas lives e entrevistas de que participou em 2021, que o planejamento de cinco anos da Taurus visa torná-la a maior e melhor empresa de armamento leve do mundo. Para tanto - além de estar modernizando e ampliando em 50% sua fábrica no Brasil, e expandindo a produção na nova unidade americana - a multinacional brasileira está avançando a passos largos no mercado internacional, visando, principalmente, países com expressivo crescimento. 

Com isso, a empresa pratica a estratégica diversificação geográfica de suas vendas e passa a ter uma posição de proeminência em mercados com grande potencial, onde seu diferencial é oferecer soluções completas e de alta tecnologia. Assim, Sul e Sudeste Asiático, África e Oriente Médio passaram a receber os esforços da área internacional da empresa, haja vista que são as regiões que melhor se enquadram em sua estratégia global.

Dentro desse cenário, é possível entender a joint venture com o poderoso grupo Jindal na Índia (mercado capitalista com o maior potencial mundial de vendas de armas), bem como (somente em 2021) as duas vitórias históricas para o fornecimento do fuzil T4 para as Forças Armadas das Filipinas, a venda de fuzis T4 e pistolas PT92 para um estratégico país africano (com possibilidade de uma grande ampliação), a provável venda de uma expressiva quantidade de fuzis T4 e submetralhadoras SMT9 para as Forças Armadas da Malásia e para a Polícia Real deste país, e a participação em uma milionária licitação para fornecer 93.985 mil fuzis T4 à Índia, além de outros grandes negócios internacionais que estão em tratativas no Oriente Médio, no Leste Europeu, na Ásia e na África.

Por fim, as considerações acima possibilitam entender também o estabelecimento de uma subsidiária na Arábia Saudita, haja vista que o mais rico, poderoso e estratégico país do Oriente Médio passou a desenvolver uma política industrial de defesa bastante similar à da Índia e em consonância com o planejamento estratégico da Taurus.

 

fontehttps://www.lrcadefenseconsulting.com/2022/01/taurus-na-arabia-saudita-por-que.html#comment-form



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